O Estado de Emergência e o regime de teletrabalho obrigatório
Tendo presente as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 na sequência do decretado estado de emergência plasmado no Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, renovado pelo Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020, de 2 de abril, e novamente renovado pelo Decreto do Presidente da República n.º 20-A/2020 de 17 de abril, regulamentado respetivamente, pelo Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, revogado pelo Decreto n.º 2-B/2020, de 2 de abril, revogado pelo Decreto n.º 2-C/2020, de 17 de abril, muitos trabalhadores estão a ser confrontados com uma nova realidade laboral – a utilização exponencial da execução da prestação de trabalho em regime de teletrabalho.
É obrigatória a adoção do regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam.
Mas já lá vamos.
O regime geral que regula o teletrabalho encontra-se previsto no Código do Trabalho tendo como característica diferencial do trabalho prestado presencial o facto da prestação laboral ser realizada fora da empresa através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação.
A sua prestação é realizada imperativamente com subordinação jurídica, resultando para o efeito obrigações que as partes devem cumprir em matéria de direitos e deveres, como se o trabalho fosse prestado em instalações da entidade empregadora, nomeadamente: a entidade patronal mantém a obrigação de fornecer os instrumentos de trabalho e de pagar as despesas inerentes à sua utilização e manutenção, de manter o seguro de acidentes de trabalho, de assegurar a formação profissional.
Em suma o trabalhador beneficia dos direitos laborais em condições de igualdade com os demais trabalhadores da empresa em regime de trabalho presencial.
Sendo imprescindível a existência de acordo entre as partes para o efeito e formalizado em contrato sujeito à forma escrita.
O trabalhador vítima de violência doméstica, bem como o trabalhador com filho com idade até 3 anos tem direito a exercer a atividade em regime de teletrabalho, quando este seja compatível com a atividade desempenhada e a entidade patronal disponha de recursos e meios para o efeito.
O empregador não pode opor-se ao pedido do trabalhador nas situações supra descritas.
Nas situações de prestação de trabalho em regime de teletrabalho, o empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador e os tempos de descanso e de repouso da família deste, bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como psíquico.
Todavia, com o objetivo de promover medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus – Covid-19 que aumentem as possibilidades de distanciamento social e isolamento profilático, o Decreto Lei 10-A/2020 de 13 de Março na sua atual redação, veio, no seu artigo 29.º permitir que o regime da prestação subordinada de teletrabalho, desde que compatível com as funções exercidas, possa ser determinada unilateralmente pelo empregador ou requerida pelo trabalhador, sem o necessário acordo das partes.
Esta regra definida pelo Governo aplica-se não apenas aos trabalhadores do setor privado, mas também aos da função pública, exceto funcionários de serviços essenciais, designadamente, médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde, funcionários das forças e serviços de segurança, bombeiros civis e voluntários, trabalhadores das forças armadas e de serviços públicos essenciais para a gestão e manutenção de infraestruturas essenciais, assim como de outros serviços considerados necessários.
Ainda assim, importa sublinhar que as medidas atrás referidas não afetam a aplicação dos regimes regra constantes do Código do Trabalho, nem da Constituição da República Portuguesa.
Quer isto dizer que, se as funções forem compatíveis, no contexto da pandemia do coronavírus, tanto o empregador como o trabalhador podem optar pelo teletrabalho, sem que seja necessário haver acordo.
Portanto, ainda que o empregador não determine o teletrabalho e queira que o trabalhador se desloque para o seu local de trabalho, o trabalhador pode solicitar ficar numa situação de teletrabalho, não necessitando para tal de pedir autorização. Tem apenas de lhe comunicar essa intenção. De preferência, por escrito.
O teletrabalho deixa assim de estar dependente de acordo entre a empresa e o trabalhador. Este pode decidir trabalhar a partir de casa contra a vontade da empresa, mas a empresa também pode obrigar o trabalhador a operar a partir de casa mesmo que ele não queira.
É assim claro que a decisão de um trabalhador ficar ou não em teletrabalho não compete à entidade empregadora, mas apenas depende se as funções em causa o permitem ou não, e no caso de permitir então o teletrabalho é obrigatório.
Para isso, é preciso que as funções exercidas sejam “compatíveis” com o teletrabalho.
E quem decide isso?
O mecanismo que foi estabelecido não diz quem é que decide, pelo que a lei não é totalmente clara neste aspeto.
Diremos então face à falta de concretização da lei quanto a este particular que, admite-se num primeiro momento seja a empresa a ter primazia, a ter de tomar a decisão, naturalmente, fundamentando-a. Decisão essa que pode e deve (sempre que a decisão ofenda o direito do trabalhador a prestar teletrabalho) ser contestada pelo trabalhador. No limite, havendo discordância, a questão terá de ser dirimida no tribunal.
No entanto, não é apenas a questão da compatibilidade que se levanta no teletrabalho. É preciso também assegurar que existem meios para isso. Quer isto dizer que empresas e trabalhadores têm de dispor das condições para que o trabalho seja exercido em regime de teletrabalho. Coloca-se então a questão de saber, por exemplo, se a empresa dispõe do equipamento e software necessário.
Podem ainda existir limitações relacionadas com o sigilo e proteção de dados.
Aqui chegados importa referir que um dos deveres basilares do empregador é o de zelar pela proteção da segurança e saúde dos seus trabalhadores e prevenir riscos laborais, nesta sequência, é entendimento pacífico que cabe ao empregador adotar as medidas necessárias para garantir o cumprimento dessas regras, tendo em conta as recomendações oficiais das autoridades de saúde relativamente à prevenção da Covid-19.
Face à imposição legal do regime de teletrabalho, empresa e trabalhador terão de encontrar um equilíbrio entre todas estas variáveis. Especialmente no contexto de pandemia em que vivemos e num esforço conjunto de contenção da propagação da Covid-19, o bom senso, a responsabilidade e sensatez das decisões do empregador e bem assim das decisões dos seus trabalhadores tem de imperar.
Em abstrato, ao não permitir o regime de teletrabalho ao trabalhador – opondo-se a que este exerça os seus direitos – e por via disso, entre outras ilegalidades, obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho, a empresa está a incorrer em contraordenação por violação de várias normais legais.
Há ainda quem alvitre que tal situação, nomeadamente nesta fase excecional em que está em causa a saúde pública, pode consubstanciar a prática de um ilícito criminal – crime de desobediência – porquanto a empresa estará a desobedecer a uma medida legal imposta pelo estado de emergência, o pode levar, segundo o código penal, a uma pena de prisão até 1 ano ou 120 dias de multa. Quem defende esta posição diz ainda que não só a empresa pode ser penalizada por isso, como também os responsáveis pela situação, nomeadamente quem “dá a ordem” para o trabalhador prestar o trabalho de forma presencial quando existem todas as condições para o trabalhador prestar o seu trabalho em regime de teletrabalho, ou seja, quando as funções exercidas sejam compatíveis com tal regime.
A utilização massiva do teletrabalho por imposição legal (fruto do atual estado de emergência), originou o não pagamento do subsídio de alimentação por muitas entidades empregadoras, com a justificação de que o trabalhador não se desloca e, como tal, não necessita de tomar a refeição fora de casa.Mas será mesmo assim?
Pode o subsídio de alimentação ser suspenso no teletrabalho?
Embora a maior parte das regras para o regime de teletrabalho sejam claras, as que estão relacionadas com o pagamento do subsídio de refeição deixam algumas dúvidas, pelo menos no sector privado.
Isto porque, no que respeita ao sector público, o Despacho n.º 3614-D/2020 de 23 de março, assinado pela Ministra do Trabalho e Segurança Social, não deixa margem para dúvidas e afirma que o pagamento deve ser feito.
Quanto ao sector privado, a verdade é que o código do trabalho não obriga a que o subsídio de refeição seja pago e não lhe atribui o carácter de retribuição, equiparando-o, por exemplo, a ajudas de custo ou despesas de transporte.
No entanto, uma coisa parece certa, se até agora o trabalhador recebia subsídio de alimentação também agora deverá continuar a receber, nos termos do princípio da igualdade de tratamento de trabalhador em regime de teletrabalho estabelecido no código do trabalho.
Mais, o subsídio de refeição é um subsídio com caracter de regularidade destinado a compensar o trabalhador pelas despesas com alimentação no decurso da jornada de trabalho, ou seja, é pago por referência a cada dia de trabalho efetivamente trabalhado.
Só em caso de falta ao serviço ou em período de férias, é que este valor não é devido pela entidade empregadora.
Assim sendo, desde que preenchidos os respetivos requisitos legais de atribuição, não há lugar à perda de subsídio.
A resposta não é, contudo, consensual, uma vez que há quem entenda que o subsídio de refeição é encarado como um complemento do ordenado e como uma compensação pelo facto de o trabalhador não poder fazer a refeição em casa. Ora, se este passou a trabalhar em casa, e uma das condições que está no âmago deste subsídio é o facto da refeição ser tomada fora da residência habitual do trabalhador e, por isso, não tendo havido deslocação também não houve lugar ao custo, logo ,o subsídio de alimentação não deve ser pago.