ARRENDAMENTO: Mora no pagamento da renda

Perante a grave e crescente crise epidemiológica, suscitou, por parte do legislador, uma tomada de medidas protecionistas, com vista a impedirem que os arrendatários pudessem, em abstrato, ficar desprotegidos e em risco de perder o lugar para habitação.
Neste sentido foram sendo tomadas algumas medidas excecionais com o objetivo de proteger  dos arrendatários. Desde logo, no dia 19 de Março de 2019, por promulgação da Lei nº1- A/2020, que posteriormente veio a ser alterada pela Lei 4-A/2020, de 6 de Abril, ficaram suspensas todas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, em situações em que os arrendatários pudessem vir a ser colocados em situação de fragilidade, por falta de habitação própria.
Tendo igualmente, ficado suspensos os efeitos de denúncias de contratos de arrendamento habitacional pelo senhorio.
Estas medidas excecionais pretendem, desde logo, proteger os arrendatários e evitar que em tempos de grande incerteza pudessem ser despejados das suas casas e consequentemente ficar mais vulneráveis a esta pandemia.
O legislador não se preocupou só com arrendamento habitacional, pois garantiu também a suspensão dos efeitos das denúncias de contrato de arrendamento não habitacional. Com esta medida pretendeu garantir que os estabelecimentos comerciais ou industriais não tivessem que abandonar o locado e procurar um novo sítio para exercer as suas atividades profissionais, o que nas circunstâncias atuais seria de evidente grande dificuldade e poderia desincentivar a prossecução da sua atividade económica.

Com a publicação do Decreto Lei nº2-B/2020, de 2 de Abril, que regula a renovação do Estado de Emergência, já revogado entretanto pela publicação do Decreto nº2-C/2020, de 17 de Abril, mas que manteve a norma, ficou ainda estipulado, no seu artigo 12º, que o encerramento de instalações e estabelecimentos ao abrigo do presente Decreto-Lei não pode ser invocado como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos de arrendamento não habitacional ou outras formas contratuais de exploração de imóveis, nem como fundamento de obrigação de desocupação dos imóveis em questão.

Ao supra referido, acresce, que no dia 6 de abril de 2020, foi publicada a Lei nº4-C/2020, que estabelece um regime excecional  para as situações de mora no pagamento da renda, devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, atendendo à situação epidemiológica provocada pela doença COVID-19.

Este regime excecional apenas se pode aplicar aos casos de mora respeitantes às rendas que se tenham vencido a partir de 1 de abril.

Ora, nos termos desta lei, os arrendatários habitacionais que cumulativamente tenham sofrido uma quebra superior a 20% dos rendimentos do agregado familiar face aos rendimentos do mês anterior ou de período homologo do ano anterior e cuja taxa de esforço do agregado familiar destinada ao pagamento da renda seja ou se torne superior a 35 % poderão não pagar as rendas que se venham a vencer durante este período pandémico. No entanto, findo este período e após o primeiro mês subsequente os arrendatários terão que proceder ao pagamento das rendas vencidas e não pagas, no prazo de 12 meses contados do termo desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda de cada mês. Sendo que, acaso o arrendatário não proceda desta forma, nos termos do artigo 4º da presente Lei, o senhorio terá direito à resolução do contrato de arrendamento.
Pretendendo os arrendatários habitacionais recorrer a este regime, nos termos do artigo 6º da presente lei, têm o dever de informar o senhorio por escritoaté cinco dias antes do vencimento da renda, juntando a documentação comprovativa da situação de incapacidade económica. Sendo que este aviso não se aplica às rendas que se venceram no dia 1 de abril, podendo nestes casos a notificação ser feita até 20 dias após a data de entrada em vigor da presente lei.

Paralelamente ao regime da mora foi criado um apoio financeiro em que, nos termos do artigo 5º da presente Lei, os arrendatários habitacionais, que se encontrem nas condições financeiras já supra enunciadas e que por tal  se vejam incapacitados de pagar a renda podem solicitar ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P. (IHRU, I. P.), a concessão de um empréstimo, sem juros, para suportar a diferença entre o valor da renda mensal devida e o valor resultante da aplicação ao rendimento do agregado familiar de uma taxa de esforço máxima de 35%, de forma a permitir o pagamento da renda devida, não podendo o rendimento disponível restante do agregado ser inferior ao indexante dos apoios sociais (IAS).
Esta medida visa também os estudantes que não aufiram qualquer rendimento, e respetivos fiadores que se encontrem nas circunstâncias supra citadas, e cujo arrendamento constitui residência por frequência de estabelecimentos de ensino localizado a uma distância superior a 50 km da residência permanente do agregado familiar.

Por sua vez, também os senhorios habitacionais que tenham, comprovadamente, a quebra de rendimentos supra referida, provocada pelo não pagamento das rendas pelos arrendatários, e cujos arrendatários não recorram a empréstimo do IHRU, I. P., podem solicitar ao IHRU, I. P., a concessão de um empréstimo, sem juros, para compensar o valor da renda mensal, devida e não paga, sempre que o rendimento disponível restante do agregado desça, por tal razão, abaixo do IAS.

Esta lei visou também os arrendatários não habitacionais, já que nos termos dos artigos 7º e 8º podem diferir o pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, para os 12 meses posteriores ao término desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda do mês em causa. Nesta medida, englobam-se  os arrendatários que hajam sido obrigados ao seu encerramento ou que tenham as respetivas atividades suspensas, incluindo nos casos em que estes mantenham a prestação de atividades de comércio eletrónico, ou de prestação de serviços à distância ou através de plataforma eletrónica e os arrendatários dos estabelecimentos de restauração e similares, incluindo nos casos em que estes mantenham atividade para efeitos exclusivos de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio. Sendo que nos termos dos artigos 9º e 10º a falta de pagamento das rendas que se vençam nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, nos termos supra enunciados, não pode ser invocada como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos, nem como fundamento de obrigação de desocupação de imóveis, não sendo exigível o pagamento de quaisquer outras penalidades que tenham por base a mora no pagamento de rendas que se vençam nestes termos.
Ademais e nos termos do artigo 12º, as entidades públicas com imóveis arrendados ou cedidos sob outra forma contratual podem, durante o período de vigência da presente lei, reduzir as rendas aos arrendatários que se encontrem em situação financeira idêntica à já supra citada, podendo ainda isentar do pagamento de renda os seus arrendatários que comprovem ter deixado de auferir quaisquer rendimentos após 1 de março de 2020.

Com o objetivo de definir os termos em que é efetuada a respetiva demonstração da quebra de rendimentos supra citada, foi publicada a Portaria 91/2020, 14 de abril. Esta Portaria, desde logo, começa por delimitar o agregado familiar nos termos do nº4 e 5, do artigo 13º do CIRS e por presumir que a morada fiscal do arrendatário e do estudante constitui a sua residência permanente. Delimita os rendimentos que são relevantes para a aferição da quebra dos mesmos e estipula quais os comprovativos a apresentar, nomeadamente: 
 – No caso de rendimentos de trabalhadores dependentes releva o respetivo valor mensal bruto, que deverá ser comprovado pelos recibos de vencimento ou por declaração da entidade patronal;
 – No caso de rendimentos empresariais ou profissionais da categoria B do CIRS releva o respetivo valor antes de IVA, que deverá ser comprovado por recibos, ou, nos casos em que não seja obrigatória a sua emissão, pelas faturas emitidas nos termos legais;
 – No caso de rendimentos provenientes de pensões releva o valor mensal bruto, comprovado por documentos emitidos pelas entidades pagadoras;
 – No caso de rendimentos prediais releva o respetivo valor das rendas recebidas, sendo que o não recebimento das rendas pode ser demonstrado pela respetiva comunicação do arrendatário; 
 – O valor mensal de prestações sociais recebidas de forma regular, comprovado por documentos emitidos pelas entidades pagadoras;
– O valor mensal de apoios à habitação recebidos de forma regular, comprovado por documentos emitidos pelas entidades pagadoras;
– Os valores de outros rendimentos recebidos de forma regular ou periódica, comprovado por documentos emitidos pelas entidades pagadoras.

Ainda, assim é feita a ressalva dos casos em que, não sendo possível a obtenção dos respetivos comprovativos, excecionando os casos dos trabalhadores dependentes, que a quebra dos rendimentos poderá ser atestada mediante declaração do próprio, sob compromisso de honra, ou do contabilista certificado no caso de trabalhadores independentes no regime de contabilidade organizada. Ficando estipulado que a prestação de falsas declarações responsabilizam os seus agentes pelos danos que venham a ocorrer, bem como pelos custos incorridos com a aplicação das referidas medidas excecionais, sem prejuízo de outro tipo de responsabilidade gerada pela conduta, nomeadamente criminal.