Medidas excecionais e temporárias quanto aos espetáculos de natureza artística
O Decreto-Lei n.º 10-I/2020 de 26 de março, na sua atual redação, vem estabelecer medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19 no âmbito cultural e artístico, em especial quanto aos espetáculos não realizados.
Sobre o que dispõe o presente diploma?
O supra referido decreto lei versa sobre o regime de carácter excecional ao estabelecido no Decreto-Lei n.º 23/2014 de 14 de fevereiro, na sua redação atual, regulando o reagendamento ou cancelamento de espetáculos. Neste último diploma, no seu artigo 2.º, n.º 1, alínea b), encontramos a definição concreta do tipo de espetáculos que devem estar abrangidos pela redação de ambos os referidos decretos lei.
Deste modo, devemos entender espetáculos de natureza artística como “manifestações e atividades artísticas ligadas à criação, execução, exibição e interpretação de obras no domínio das artes do espetáculo e do audiovisual e outras execuções e exibições de natureza análoga que se realizem perante o público, excluindo a radiodifusão, ou que se destinem à transmissão ou gravação para difusão pública”.
O presente decreto-lei estabelece ainda as regras aplicáveis à:
a) Venda, substituição e restituição do preço dos bilhetes de ingresso daqueles espetáculos;
b) Restituição dos valores pagos com as reservas das salas e recintos daqueles espetáculos.
A quem é aplicável?
Aplica-se, independentemente da natureza pública ou privada, a todos:
a) Os agentes culturais, nomeadamente, aos artistas, intérpretes e executantes, autores, produtores, promotores de espetáculos, agentes, doravante agentes culturais;
b) Osproprietáriosou entidades exploradoras de instalações, estabelecimentos e recintos de espetáculos;
c) Asagências,postos de venda e plataformas de venda eletrónica de bilhetes.
A que espetáculos e atividades se aplica?
Uma vez realizada a clarificação terminológica, é necessário entender o âmbito objetivo deste diploma. Assim, o presente Decreto-Lei é aplicável ao reagendamento ou cancelamento de espetáculos não realizados entre os dias 28 de fevereiro de 2020 e até 90 dias úteis após o término do estado de emergência.
Quais as consequências práticas aplicáveis ao reagendamento?
Dispõe-se que os espetáculos abrangidos pelo presente Decreto-Lei devem, sempre que possível, ser reagendados, sendo que este reagendamento deve ocorrer no prazo máximo de um ano após a data inicialmente prevista. É de salientar que tal medida poderá vir a provocar:
a) A alteração de local, data e hora. Contudo, a alteração de local fica limitada à
cidade, área metropolitana ou a um raio de 50 km relativamente à localização
inicialmente prevista;
b) A substituição dos bilhetes já vendidos, não podendo ser cobrado qualquer outro
valor ou comissão pela substituição.
As alterações do espetáculo reagendado devem ser devidamente publicitadas pelos agentes culturais.
No caso de o espetáculo ter sido reagendado e não puder comparecer? Existe devolução do preço do bilhete?
As novas medidas não salvaguardam esta situação, pelo que sempre terá que se aplicar o regime que tiver sido acordado com o agente cultural (artista) ou a regra geral decorrente da lei civil. Assim, poderá expor a situação à contraparte e solicitar a devolução do dinheiro, em virtude da resolução do contrato solicitada. Se o agente cultural não aceder à sua pretensão e uma vez que há uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, terá de recorrer aos meios judiciais ou extrajudiciais de resolução de litígios para fazer valer o seu direito.
O que sucede caso os espetáculos não possam ser reagendados?
Caso o reagendamento não seja possível, o espetáculo deverá ser cancelado.
Na ocorrência do cancelamento de um espetáculo, o consumidor terá o direito à restituição do preço dos bilhetes de ingresso já vendidos.
A devolução do preço deve ocorrer no prazo máximo de 60 dias úteis após o anúncio do cancelamento.
O cancelamento do espetáculo, bem como o local, físico e eletrónico, o modo e o prazo de restituição do preço dos bilhetes de ingresso já adquiridos devem ser devidamente publicitados pelos agentes culturais.
Que direitos poderá ainda beneficiar o consumidor?
Em alternativa ao reagendamento/cancelamento, o portador dos bilhetes pode pedir a substituição do bilhete do espetáculo por outro espetáculo diferente, devendo o preço ser ajustado.
Os agentes culturais têm de pagar comissão pelos espetáculos não realizados ou cancelados?
As agências, os postos de venda e as plataformas de venda eletrónica de bilhetes, bem como os proprietários ou entidades exploradoras de instalações, estabelecimentos e recintos de espetáculos que tenham bilhética própria, não podem exigira os agentes culturais a comissão devida pelos espetáculos não realizados ou cancelados.
Podem os proprietários ou entidades exploradoras de instalações, estabelecimentos e recintos de espetáculo cobrar um valor suplementar no caso do artista reagendar o seu espetáculo?
As medidas excecionais plasmadas no decreto lei em análise proíbem expressamente o cobrar de novos valores pelo agendamento. O não cumprimento destas medidas excecionais constitui contraordenação.
E se o artista cancelar o seu concerto, perderá o valor investido no espaço?
Em caso de cancelamento do espetáculo, os proprietários ou entidades exploradoras de instalações, estabelecimentos e recintos de espetáculos devem proceder ao reembolso do valor da reserva ao agente cultural, no prazo de 90 dias úteis após o término do estado de emergência.
Quais os mecanismos de contratação pública disponíveis para as entidades públicas promotoras de espetáculos em caso de reagendamento ou cancelamento dos espetáculos?
As entidades públicas devem, sempre que possível reagendar os espetáculos no prazo máximo de 1 ano ou no prazo de 2 anos, caso sejam de entrada livre.
As entidades públicas devem garantir a conclusão dos procedimentos de formação de contratos públicos para os quais já tenha sido emitida a decisão de contratar e envio de convite à apresentação de propostas, nos casos de programação já anunciada, mas ainda não contratualizada.
No caso de cancelamento ou reagendamento, os pagamentos devem ser realizados nos prazos contratualmente estipulados ou, o mais tardar, na data que se encontrava inicialmente agendado o espetáculo, no montante mínimo de 50 % do preço contratual, sem prejuízo de eventual alteração do contrato com vista à nova calendarização do espetáculo e pagamentos subsequentes.
Em caso de reagendamento dos espetáculos as entidades públicas promotoras podem utilizar os regimes de adiantamento do preço, revisão de preços e ainda do regime dos bens, serviços ou trabalhos complementares.
Em caso de cancelamento podem a entidades públicas promotoras proceder ao pagamento dos compromissos assumidos e efetivamente realizados, na respetiva proporção.
O que devem fazer os intermediários quando recebam valores pagos por entidades públicas?
Sempre que os pagamentos pelas entidades públicas sejam efetuados a agentes, produtores e companhias de espetáculo ou a quaisquer outros intermediários, devem estes, no prazo de 10 dias úteis, após receberem o pagamento, proceder ao pagamento proporcional e equitativo aos trabalhadores envolvidos nos eventos respetivos, designadamente autores, artistas, técnicos e outros profissionais e empresas que tenham sido contratados para o espetáculo em questão, sem prejuízo da cobrança proporcional de comissões que lhes sejam devidas.
Caso o espetáculo em causa seja reagendado, os pagamentos são considerados sinal e princípio de pagamento da prestação a efetuar na data para a qual o espetáculo vier a ser reagendado.
A quem compete a fiscalização?
Compete à Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC) a fiscalização do cumprimento do previsto no presente decreto lei.
A violação destas medidas constitui contraordenação punível da seguinte forma:
Pessoas singulares: coima entre €250 e €2.500;
Pessoas coletivas: coima entre €500 e €15.000.